Eu podia estar roubando, eu podia estar matando, eu podia estar enchendo o bucho de morcilha, mas estamos aqui, caminhando igual uns condenados!
Foi isso que me passou pela cabeça ontem, quando o meu “psiquiátrico” foi para “o saco”.
O caminho de ontem tinha 28 km. Até aí Ok.
Acontece que resolvi fazer de sapatilha. No dia anterior cortei metade das bolhas, esterilizei e passei pomada. Não tinha condições de recolocar o tênis que deu origem as bolhas. A sapatilha era minha única saída.
Acontece que a maledeta tem o solado fino para enfrentar as pedras do caminho (literalmente). Além disso o solado é plano, o que força os joelhos.
Pra completar a desgraça desse dia, em vez de passarmos por algumas vilas, o caminho cruzava uma floresta. Foram 18 km sem parada!
Fomos conversando, cantando músicas de A a Z e tentando nos distrair. Mas uma hora não deu! O cansaço, a dor no joelho e nos pés derreteu o meu “psiquiátrico” .
Paramos uns10 minutos e sentamos no mato, no meio do nada. Levantamos e segui muda até San Juan de Ortega.
Pisamos na vila e caiu o mundo. Sem almoço e sem descanso o Mô queria ficar por lá mesmo, num albergue municipal que parecia a “Bat-caverna” de tão escuro. Eu não quis. Embora exausta preferi andar mais 4 km. E foi o que fizemos.
Assim que a chuva diminuiu pegamos nossas coisas e seguimos até o albergue municipal de Agés onde tomamos um banho rápido e desmaiamos na cama. Descansados, descemos para jantar com o casal de franceses.
Conversamos bastante e eles confirmaram que o custo de vida na França é realmente alto, tanto que por morarem na divisa com a Espanha, quando possível, fazem compras em supermercados e abastecem o carro em postos espanhóis.
Os dois aposentaram aos 60 anos de idade e recentemente a lei mudou para 62, homem e mulher.
Dizem que embora o salário diminua um pouco com a aposentadoria, o valor recebido é ainda muito bom, muito melhor que na Espanha, onde os aposentados perdem poder aquisitivo.
Descobrimos que em ambos os países o aposentado não pode trabalhar. Está proibido por lei. Se por exemplo quiser abrir um negócio próprio, tem que abrir mão do valor da aposentadoria.
Os franceses disseram que a lei é muito séria na França, “pero em España tiene sus dudas!!” Kkkkk
Depois da conversa animada, nos sentamos com a Ana (Croácia) e mais dois espanhóis. Um deles está fazendo o caminho pela 18a vez!!!!
Fez 3 vezes o caminho completo e agora percorre trechos por uma ou duas semanas. Falante, aposentado, disse: o que más tengo a hacer? No caminho se distrai conhecendo jovens e velhos, contando suas histórias e ouvindo novas histórias. Depois de tantas viagens tenta convencer sua esposa a acompanha-lo: Vamos a ver!!!
A Ana também contou seu causo. A duas noites atrás dormiu em um albergue paroquial, no chão, em seu saco de dormir. Eram 31 pessoas.
Jantaram juntos e depois o pároco chamou para uma oração. Um coreano perguntou se todos eram obrigados a ir. O pároco respondeu: claro que não! 0 coreaninho sorriu aliviado. Mas o pároco completou: aqui temos o hábito de quem não quiser orar deve lavar a louça do jantar.
Jantaram juntos e depois o pároco chamou para uma oração. Um coreano perguntou se todos eram obrigados a ir. O pároco respondeu: claro que não! 0 coreaninho sorriu aliviado. Mas o pároco completou: aqui temos o hábito de quem não quiser orar deve lavar a louça do jantar.
E assim foi. Enquanto todos se reuniam para uma oração o coreaninho lavava pratos e panelas da refeição!
Hoje, depois de uma boa noite de sono, num dos melhores albergues que já passamos, seguimos nossa jornada. Caminhamos 4 km até a próxima vila, Atapuerca, gêmea de Puerto Montt no Chile.
Na descida encontramos um casal italiano que levava um carrinho com uma bebe de um ano: Sofia.
Uma descida com muita pedra e os três lá!
A mãe havia iniciado o caminho 2 anos antes e agora percorria mais um trecho com o marido e a filha.
Contornamos o aeroporto de Burgos e entramos na cidade pelo setor industrial. Posso dizer que não foi muito agradável.
Pistas movimentadas, nenhuma sinalização... A maior cidade que passamos até agora não pareceu muito simpática aos peregrinos.
Percorremos uns 5 km até chegarmos ao centro antigo.
O albergue municipal, para 150 pessoas, foi uma grata surpresa. Um local limpo, organizado, com os beliches separados por baia, em vários andares de um prédio reformado.
A recepção é feita por voluntários e o preço 5 euros.
O albergue fica em frente a catedral gótica, monumento mais precioso da cidade.
Burgos é a capital de Castilla e Leon, província que se estenderá até 150 km de Santiago de Compostela. A cidade foi fundada em 884 e possui monumentos históricos, entre eles a catedral de Santa María, exponente da arquitectura gótica, declarada Patrimonio da Humanidade pela UNESCO.
Quando entramos nesta província, deixando para trás La Rioja, percebemos que aumentou o cuidado com os peregrinos.
Os albergues são melhores, as placas indicativas tem a preocupação de explicar todos os monumentos históricos e as vilas estão mais preparadas para nos receber.
Depois de nos acomodar fomos visitar a catedral. Próximo ao local estava acontecendo uma festa de casamento muito animada.
Aliás o centro histórico está muito animado. Os espanhóis adoram um bar, um petisco e um drink.
Estão todos na rua neste sábado.
Nosso albergue |
Tapas, morcilla, salada, prato principal e sobremesa.
Certamente sairei mais pesada desta experiência gastronômica.
Catedral de Santa Maria |
Morcilla |
Amanha teremos 31 km pela frente.
Ai.. esqueci... Hoje nos despedimos do casal francês. Nos encontramos na recepção do albergue. Trocamos e-mail, telefone e quem sabe um dia nos encontramos na França!
Nós com os franceses |
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