Dia 13 - Agés - Burgos - 23 km

Eu podia estar roubando, eu podia estar matando, eu podia estar enchendo o bucho de morcilha, mas estamos aqui, caminhando igual uns condenados!
Foi isso que me passou pela cabeça ontem, quando o meu “psiquiátrico” foi para “o saco”.
O caminho de ontem tinha 28 km. Até aí Ok. 
Acontece que resolvi fazer de sapatilha. No dia anterior cortei metade das bolhas, esterilizei e passei pomada. Não tinha condições de recolocar o tênis que deu origem as bolhas.  A sapatilha era minha única saída.
Acontece que a maledeta tem o solado fino para enfrentar as pedras do caminho (literalmente). Além disso o solado é plano, o que força os joelhos.
Pra completar a desgraça desse dia, em vez de passarmos por algumas vilas, o caminho cruzava uma floresta. Foram 18 km sem parada! 
Fomos conversando, cantando músicas de A a Z e tentando nos distrair. Mas uma hora não deu! O cansaço, a dor no joelho e nos pés derreteu o meu “psiquiátrico” .
Paramos uns10 minutos e sentamos no mato, no meio do nada. Levantamos e segui muda até San Juan de Ortega. 
Pisamos na vila e caiu o mundo. Sem almoço e sem descanso o Mô queria ficar por lá mesmo, num albergue municipal que parecia a “Bat-caverna” de tão escuro. Eu não quis. Embora exausta preferi andar mais 4 km. E foi o que fizemos.
Assim que a chuva diminuiu pegamos nossas coisas e seguimos até o albergue municipal de Agés onde tomamos um banho rápido e desmaiamos na cama. Descansados, descemos para jantar com o casal de franceses.
Conversamos bastante e eles confirmaram que o custo de vida na França é realmente alto, tanto que por morarem na divisa com a Espanha, quando possível,  fazem compras em supermercados e abastecem o carro em postos espanhóis. 
Os dois aposentaram aos 60 anos de idade e recentemente a lei mudou para 62, homem e mulher.
Dizem que embora o salário diminua um pouco com a aposentadoria, o valor recebido é ainda muito bom, muito melhor que na Espanha, onde os aposentados perdem poder aquisitivo.
Descobrimos que em ambos os países o aposentado não pode trabalhar. Está proibido por lei. Se por exemplo quiser abrir um negócio próprio, tem que abrir mão do valor da aposentadoria.
Os franceses disseram que a lei é muito séria na França, “pero em España tiene sus dudas!!” Kkkkk

Depois da conversa animada, nos sentamos com a Ana (Croácia) e mais dois espanhóis. Um deles está fazendo o caminho pela 18a vez!!!!
Fez 3 vezes o caminho completo e agora percorre trechos por uma ou duas semanas. Falante, aposentado, disse: o que más tengo a hacer? No caminho se distrai conhecendo jovens e velhos, contando suas histórias e ouvindo novas histórias. Depois de tantas viagens  tenta  convencer sua esposa a acompanha-lo: Vamos a ver!!!

A Ana também contou seu causo. A duas noites atrás dormiu em um albergue paroquial, no chão, em seu saco de dormir. Eram 31 pessoas. 

Jantaram juntos e depois o pároco chamou para uma oração.  Um coreano perguntou se todos eram obrigados a ir. O pároco respondeu: claro que não! 0 coreaninho sorriu aliviado. Mas o pároco completou:  aqui temos o hábito de quem não quiser orar deve lavar a louça do jantar.
E assim foi. Enquanto todos se reuniam para uma oração o coreaninho lavava pratos e panelas da refeição!

Hoje, depois de uma boa noite de sono, num dos melhores albergues que já passamos, seguimos nossa jornada. Caminhamos 4 km até a próxima vila, Atapuerca, gêmea de Puerto Montt no Chile.
O caminho teve uma subida  que nos proporcionou uma linda vista de Burgos.
Na descida encontramos um casal italiano que levava um carrinho com uma bebe de um ano: Sofia. 
Uma descida com muita pedra e os três lá! 
A mãe havia iniciado o caminho 2 anos antes e agora percorria mais um trecho com o marido e a filha.
Acabada a descida chegamos a Cardeñuela Riopico onde paramos para tomar café: tortillas, pão, suco de laranja e banana.

Contornamos o aeroporto de Burgos e entramos na cidade pelo setor industrial. Posso dizer que não foi muito agradável. 
Pistas movimentadas, nenhuma sinalização... A maior cidade que passamos até agora não pareceu muito simpática aos peregrinos.
Percorremos uns 5 km até chegarmos ao centro antigo.
O albergue municipal, para 150 pessoas, foi uma grata surpresa. Um local limpo, organizado, com os beliches separados  por baia, em vários andares de um prédio reformado.
A recepção é feita por voluntários e o preço 5 euros.
O albergue fica em frente a catedral gótica, monumento mais precioso da cidade.
Burgos é a capital de Castilla e Leon, província que se estenderá até 150 km de Santiago de Compostela. A cidade foi fundada em  884 e possui monumentos históricos, entre eles a catedral de Santa María, exponente da arquitectura gótica, declarada Patrimonio da Humanidade pela UNESCO.
Quando entramos nesta província, deixando para trás La Rioja, percebemos que aumentou o cuidado com os peregrinos.  
Os albergues são melhores, as placas indicativas tem a preocupação de explicar todos os monumentos históricos e as vilas estão mais preparadas para nos receber.

Depois de nos acomodar fomos visitar a catedral. Próximo ao local estava acontecendo uma festa de casamento muito animada.

Aliás o centro histórico está muito animado. Os espanhóis adoram um bar, um petisco e um drink.
Estão todos na rua neste sábado.
Nosso albergue
Um grupo de jovens festejam a despedida de solteiro. Fantasiados, saem fazendo algazarra pela rua.
Depois de passear um pouco paramos para o almojanta. E como comemos!
Tapas, morcilla, salada, prato principal e sobremesa. 
Certamente sairei mais pesada desta experiência gastronômica.
Catedral de Santa Maria


Morcilla
Depois da refeição retornamos ao albergue para descansar.
Amanha teremos 31 km pela frente.

Ai.. esqueci... Hoje nos despedimos do casal francês. Nos encontramos na  recepção do albergue. Trocamos e-mail, telefone e quem sabe um dia nos encontramos na França!
Nós com os franceses
Total percorrido: 282,4 km

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4 Comentários

  1. Fiquei feliz que o "psicológico" da Re foi controlado...
    Pensei...será que nesse monte de cidadela num tem uma lojinha que venda um sapato de vovó confortável pra intercalar no caminho???
    Ou mesmo entre os peregrinos...num tem um pezinho 39 pra revezar o tênis???

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    1. Oi Rê!!!! A minha Rê estava na iminência de comprar algum calçado que pudesse ajudar mas tinha que ter um solado adequado ao caminho. Foi aí que Santiago apareceu e deixou as papetes......

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  2. apesar desse dia ter sido o auge do stress, você escreveu bastante...
    ta sendo muito guerreira.
    lulão

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    1. Foi guerreira por todo o caminho pois as bolhas não deram um dia de folga.

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