Dia 9 - Conhecendo a cidade histórica de Natividade - Tocantins

 O mais antigo núcleo urbano do estado do Tocantins, fundada em 1734,  Natividade começou a ser povoada durante o ciclo do ouro, quando os bandeirantes partiram para desbravar o interior do Brasil em busca de metais preciosos. No centro histórico da cidade ainda é possível observar a arquitetura desta época. Cerca de 250 edificações coloniais ainda mantêm as características originais.

Depois de uma ótima noite de sono, tomamos o café da manhã na pousada e saímos para conhecer a cidade. O dia amanhece com chuviscos, mas logo o sol e o calor dão as caras, mostrando a que vieram. E haja calor nisso!

Como primeira parada fomos conhecer a benzedeira de Natividade, a Dona Romana, uma senhora no alto de seus 80 anos de idade, nascida e criada na região.
Chegamos ao local, a uns 5 km da cidade, por indicação da recepção da pousada. Uma casa escondida por traz de um jardim de pedras canga, repleto de imagens de bichos e de santos, ornamentada com algum colorido.
Batemos na porta e uma moça atendeu dizendo que Dona Romana já chegava.
Ficamos perambulando pelos labirintos de imagens, um pouco apreensivos. Não era bonito de se ver. Era estranho. Lembra um cemitério e seus túmulos ornamentados com esculturas de crianças. 


Já estávamos indo embora, quando Dona Romana chegou e nos recebeu, nos encaminhando até sua sala, quase sem móveis, somente uma grande mesa e dois bancos. As paredes eram ornamentadas com desenhos e figuras de santos e bichos.
Perguntou a que viemos. O Mô, apreensivo, ficou na espreita. Eu... Mais interessada... Solicitei a benzedeira um passe, por mim e pela minha família.
Antes disso comentei sobre o seu jardim. Falei que achei o lugar triste e perguntei o que ela achava disso. Dona Romana prontamente respondeu que não era pra ficar feio nem bonito. Ela só fez o que lhe pediram. "Não sou eu que mando. São eles". Economizou nas palavras.

Curiosa continuei perguntando porque ela fazia aquilo, porque havia tantas garrafas de água cheias perto de cada uma das esculturas, mas ela se limitou a responder que foi assim que pediram.

Mal a prosa havia começado e Dona Romana me chamou para uma sala apartada, para me dar um passe. Me postei diante de uma imagem de Nossa Senhora, ela pronunciou algumas palavras, colocou suas mãos sobre mim e depois disse que eu podia ir. Fiquei aguardando enquanto Dona Romana pronunciava mais outras palavras e fazia alguns gestos no lugar onde eu havia sido benzida. 

Depois que saí da sala perguntei se precisava de alguma doação. Ela respondeu que não. Que nunca cobra. Agradeci e continuei indagando sobre esse trabalho e o porquê. Poucas palavras saíram da sua boca.  Ela só comentou da zoeira em sua cabeça, das ordens recebidas e cumpridas e do fardo pesado que carregava.

Então nos convidou a conhecer o resto da casa, já adiantando, quase como um lamento, que passava o dia levando pessoas para conhecer o local. 

Passamos pelo jardim, com esculturas de pedra altíssimas e perguntei como conseguira fazer aquilo. Ela respondia que não sabia de onde vinha aquela força.  As vezes mencionava que teve ajuda e eu indagava ... De espíritos? E ela respondia seriamente se eu já tinha visto espírito fazer alguma coisa. Ou seja, a resposta era negativa. A ajuda vinha dos locais mesmo. As esculturas serviam para "firmar o mundo que está inclinado". Que "o Brasil é a terra escolhida".

Seguimos caminhando naquela pequena chácara até chegarmos a um enorme galpão, recém construído. Ela pegou uma chave e abriu. Dentro, algumas salas com mais imagens de bichos e santos, quase infantis. A escada e a tinta ainda estão lá. A obra não terminou. Ela confessou que tem ajuda de um neto que faz os desenhos mais difíceis. As formas são ditadas pelos espíritos.

Numa das salas, uma roda com muitos objetos, brinquedos que reproduzem tudo o que temos neste mundo: aviões, carros, computadores, motos, trem, bichos, bonecas, além de livros, chapéus, roupas... Como se fosse as inscrições rupestres do passado, herança para as futuras gerações. Um  legado de um mundo que deixará de existir.  

Deixamos esse galpão, que foi seguramente trancado e nos dirigimos a outro ainda mais interessante.
Nele, sacos de roupas e sapatos, meticulosamente organizados com potes de sementes de todos os tipos, ervas, chás e muitas, muitas garrafas de água. Ela disse que começou a organizar tudo isso em 2001 e até hoje chegam doações, mas que não tem onde armazenar.

Questionei para que serviria aquilo tudo e ela respondeu que  "Eles" mandaram. A água da terra vai descer das cachoeiras barrenta e as pessoas que virão não terão como bebê-la.  Os grãos, as roupas, os remédios são para a nova terra, quando chegarão milhares de pessoas. 
O local está tão empoeirado que é difícil imaginar que algum dia aquilo tudo servirá para alguma coisa. Mas não comentei nada. Só observei e tentei entender. 

Dona Romana diz que não é alfabetizada, que sabe pouco de leitura, "só o que a vida a obrigou aprender". Perguntei se não quis entender o que lhe acontecia e ela respondeu que não tinha tempo pra isso. Era tão perturbada que não tinha tempo pra mais nada. 
Perguntamos se os espíritos deixariam um sucessor, quando ela morresse. E ela respondeu que não. Que essa missão termina com a sua morte.

Nos despedimos, agradecemos e desejamos muita saúde e muita paz. Penso que ainda estarei por aqui para saber que fim levará esse legado de Dona Romana.

 Uma outra curiosidade sobre Dona Romana é que ela inspirou o personagem de Fernanda Montenegro na novela “O Outro Lado do Paraíso”.

Dona Romana em sua sala de atendimento. Imagem fonte: gazetadocerrado.com.br

Jardim com esculturas de Dona Romana

Deixamos esse recanto e seguimos para caminhar no centro histórico da pequena Natividade. O lugar parece que parou no tempo. As ruas são exatamente iguais a 200 anos. A corrida do ouro acabou e a cidade parou.

A maioria das casas está fechada. Não sei se há moradores ou se os proprietários aguardam alguma valorização imobiliária para vender sua propriedade inabitada.





A principal atração do lugar é uma igreja inacabada, as ruínas da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.  Construída pelos escravos em pedra sabão, foi abandonada quando terminado o ciclo do ouro.   


Também passamos na Ourivesaria Mestre Juvenal, que é uma oficina que produz jóias em ouro e prata de maneira artesanal, utilizando principalmente a técnica da filigrana, com influência portuguesa e africana, passando essa tradição a aprendizes que sucederam o Mestre Juvenal. 


Mestre Uardon Moreira - tel: (63)99225-5938



Depois de circularmos pelo centro histórico fomos almoçar no único restaurante aberto da cidade, a Churrascaria do Cesar. Um restaurante muito, mas muito simples mesmo.

Após o almoço fizemos uma parada na fábrica de biscoito Amor Perfeito de Tia Naninha, produzidos há mais de 100 anos na região. 
No lugar passeamos pela pequena fábrica e vimos a produção artesanal dos biscoitos.
Depois nos dirigimos ao salão do café onde fomos atendidos pelos filhos da Tia Nininha. Conversamos sobre o negócio, sucessão, o turismo na região e a dificuldade de almoçar numa cidade histórica como aquela, etc...E claro, provamos a deliciosa iguaria!

Fábrica de biscoitos

Fachada Amor Perfeito de Tia Nininha

Tia Nininha

Terminada a prosa eu voltei para a pousada e o Mô foi verificar se o pneu estava furado. O computador do carro avisou que a calibragem havia baixado em um dos pneus e o borracheiro constatou o furo: um imenso prego espetado!

Efetuado o conserto, o "bandido" foi tomar banho. O Mô estava realmente incomodado com a sujeira, principalmente a interna.

Preguinho no pneu

"Bandido" tomando banho
A noite fomos jantar uma pizza no Casarão, acompanhada de uma deliciosa caipirinha!
Amanhã seguimos para a Chapada das Mesas no Maranhão. 

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